Powered By Blogger

domingo, 3 de outubro de 2010

Um olhar na janela

Laine Kriss

Aprendi a amar aquele olhar desamparado e triste. Da minha janela eu começava a tocar, observando ansiosa o momento que ele surgiria do outro lado. Ouvia a música, e o olhar impenetrável parava no tempo daquela janela.
Ninguém sabia de onde tinha vindo aquele homem, nem quem era ele. E eu era apaixonada por aquele mistério. Sabia apenas que ele aparecia na janela toda vez que eu tocava. Parecia que a música o atraía. Hoje já não sei se era a música que o tocava, ou era ele quem fazia a música soar. Sei apenas que a visão era a minha inspiração.
 Não havia um dia, em que ele não aparecesse, e todos os dias eu tocava. E a janela só fechava quando eu parava de tocar.
Investigando, eu descobri que ele nunca saía. E comecei a tocar de manhã, à tarde e à noite em todas as horas possíveis, até não mais agüentar. O olhar nostálgico na janela virava música em meu teclado. Já não sabia mais tocar na ausência daquele olhar, que soprava as músicas mais tristes que eu cheguei a tocar.
Mas o que me intrigava era o mistério que o envolvia. Sonhava um dia desvendá-lo, como uma menina curiosa que não se satisfaz com a história inventada, e procura pelos detalhes, até  descobrir a verdade inevitável de que tudo era uma mentira.
Eu era toda desejo, desejo de conhecer. Um dia quando acordei, decidi não tocar. Fui desvendar o mistério. Parei na frente da casa e bati, não me atenderam, então forcei a janela e entrei.
A casa estava vazia. Não havia móvel algum. Apenas num canto, um mendigo olhava o tempo, com aquele mesmo olhar enigmático que eu já conhecia. Assustada saí correndo. E voltei a tocar desesperadamente, para que o mundo voltasse a ser um grande mistério. Impossível! Já havia feito a descoberta fatal. A música não era mais a mesma.
Depois daquele dia nunca mais o olhar apareceu na janela, e eu nunca mais consegui tocar. Meus dedos ficaram mudos. Inconformada, voltei à casa, as paredes estavam vazias. Ele fugiu, e levou a minha música com ele.


3 comentários:

  1. Hummm!!! Este conto está realmnete profundo e emocionante. Sou a leitora mais assídua dessa menina e sei o quanto ela escreve bem. Afinal, entre um conto e outro, eu cheia de afazeres, lá estava ela batendo na borta de meu quarto "para ouvir mais um conto". Nem sempre estava atenta, pois estava em outros afazeres, mas quando parava para ouvir. Nossa! valia à pena mesmo!!
    Não deixe emudecer suas belas palavras, como a música do conto. Escreva, poetize, grite... o mundo precisa de suas palavras.

    Sandra Liss

    ResponderExcluir
  2. Belo conto! Nunca havia lido um conto de mistério tão profundo, poético e envolvente. Apresentarei este conto aos meus alunos quando ensinar este gênero discursivo, mas não esquecerei de levar a biografia da autora.
    Continui escrevendo...Agora sei onde encontrar textos bons para trabalhar com meus alunos.
    Parabéns!!!
    Sucesso!

    ResponderExcluir
  3. A postagem com o nome prazer de ensinar foi criada por mim. Não sei o porquê de ter sido postada com este nome.

    ResponderExcluir