Laine Kriss
Aprendi a amar aquele olhar desamparado e triste. Da minha janela eu começava a tocar, observando ansiosa o momento que ele surgiria do outro lado. Ouvia a música, e o olhar impenetrável parava no tempo daquela janela.
Ninguém sabia de onde tinha vindo aquele homem, nem quem era ele. E eu era apaixonada por aquele mistério. Sabia apenas que ele aparecia na janela toda vez que eu tocava. Parecia que a música o atraía. Hoje já não sei se era a música que o tocava, ou era ele quem fazia a música soar. Sei apenas que a visão era a minha inspiração.
Não havia um dia, em que ele não aparecesse, e todos os dias eu tocava. E a janela só fechava quando eu parava de tocar.
Investigando, eu descobri que ele nunca saía. E comecei a tocar de manhã, à tarde e à noite em todas as horas possíveis, até não mais agüentar. O olhar nostálgico na janela virava música em meu teclado. Já não sabia mais tocar na ausência daquele olhar, que soprava as músicas mais tristes que eu cheguei a tocar.
Mas o que me intrigava era o mistério que o envolvia. Sonhava um dia desvendá-lo, como uma menina curiosa que não se satisfaz com a história inventada, e procura pelos detalhes, até descobrir a verdade inevitável de que tudo era uma mentira.
Eu era toda desejo, desejo de conhecer. Um dia quando acordei, decidi não tocar. Fui desvendar o mistério. Parei na frente da casa e bati, não me atenderam, então forcei a janela e entrei.
A casa estava vazia. Não havia móvel algum. Apenas num canto, um mendigo olhava o tempo, com aquele mesmo olhar enigmático que eu já conhecia. Assustada saí correndo. E voltei a tocar desesperadamente, para que o mundo voltasse a ser um grande mistério. Impossível! Já havia feito a descoberta fatal. A música não era mais a mesma.
Depois daquele dia nunca mais o olhar apareceu na janela, e eu nunca mais consegui tocar. Meus dedos ficaram mudos. Inconformada, voltei à casa, as paredes estavam vazias. Ele fugiu, e levou a minha música com ele.